domingo, 26 de abril de 2009

Las Meninas


'Las Meninas', de Diego Velazques, 1656.

Ver, ou melhor, rever ‘Las Meninas’ quase 20 anos depois da primeira vez foi uma experiência curiosa. Ainda no curso de Arquitetura e Urbanismo na UFPA, esta imagem do espanhol Diego Velazquez me foi apresentada pelo então titular da Disciplina História da Arte, Prof° Hélio Veríssimo (um gaúcho que foi um dos pioneiros da disciplina História da Arte no Pará) no fim da década de 1980. Pouco me lembro dos comentários do professor, exceto por alguns detalhes relativos às curiosidades sobre os retratados, sobre umas supostas mensagens simbólicas camufladas na riqueza de detalhes do aposento barroco, e de, talvez, ter desejado um dia poder ver de perto esta e outras imagens daquela aula. Hoje, meu olhar se vê mais uma vez convidado a entrar neste quadro enigmático, - novamente ciceroneado por outra gaúcha, Profª Mônica Zielinsky, - e relatar minhas impressões desse passeio visual reflexivo. Não poderia começar minha abordagem sem antes levantar o componente sentimental e memorialista que esta imagem provoca em mim, ontem e agora, pois é justamente daí que vem minha leitura mais espontânea: a relação do olhar ao longo do tempo.

Não sei se foi a vivência como fotógrafa que me impôs um leitura visual pautada prioritariamente nas questões da luz e do foco, mas ‘Las meninas’ tem nestes dois quesitos elementos estruturais que lhe garantem parte da força e do frescor que lhe constituem. Quase duzentos anos antes da invenção da fotografia, Velazquez constrói uma cena rica em contrastes de claro e escuro, e com uma profundidade de foco no campo visual que seria compatível com uma ínfima abertura de diafragma, o que lhe garantiria muita nitidez para a cena se estivesse usando uma câmera. A iluminação da cena a partir da disposição dos personagens e da tela, - que parece está em processo de produção com um pintor ainda a postos - invoca a primeira de uma série de estranhezas relativas ao assunto do quadro e a intenção do autor ao criá-lo. O que de fato estaria acontecendo na sala?

Sem entrar no mérito dos personagens e do papel que cada um representa no grupo -muitos outros já fizeram isso de forma brilhante, e proponho ler a obra com o mínimo possível de referências diretas -, atenho-me a ver o quadro com o que trago das reminiscências que já descrevi há pouco. É indiscutível reconhecer que se trata de uma imagem que remete imediatamente a um flagrante típico de um registro paparazzi. Furtivamente, Velazquez nos faz pensar sermos testemunhas de uma cena habitual do seu atelier durante sua convivência com a nobreza espanhola. Os olhares desconfiados e surpresos do pintor, da menina loura, da anã e do nobre ao fundo da sala nos denuncia como visitantes deslocados do contexto. Suas expressões nos questionam sobre o quanto de mágico e perverso existe na curiosidade humana pela invasão aos círculos privados, nas vidas alheias e nas altas esferas de convívio do poder. Não é preciso muito conhecimento histórico para logo intuir que se trata de um grupo real, reunido e rodeado pelos símbolos que lhe vem perpetuando o status de luxo e riqueza: quadros, jóias, serviçais e um pintor para eternizar ou fantasiar o que eles achavam ser sua condição divina.

Ao flagrar a cena e se perguntar quem poderia afinal estaria sendo pintado pelo pintor à esquerda (imaginando não saber que se trata do próprio Velazquez auto-retratado junto aos nobres) tenta-se recorrer ao título do quadro, em que as meninas são o tema principal. A iluminação da cena, no entanto, confunde o assunto, pois a personagem mais ricamente adornada encontra-se de costas para o pintor, iluminada à contraluz e aparentemente interessada em olhar para além dos limites do quadro. Será para nós? Examinando atentamente o ambiente, vê-se ao fundo da sala um grande espelho que reflete um casal de nobres vestidos e postados com um rigor de realeza, e eles sim, parecem inspirar a atenção e respeito dos demais. Daí é que a uma nova organização espacial pode se dar para a cena, uma vez que a luz lateral ilumina um tema novo para nosso olhar, mas não para as demandas dos pintores dos séculos passados, que eram basicamente mantidos pelas encomendas de retratos à óleo de reis e do clero, como forma de perpetuação de poder e deleite narcisista.


Acima, a identificação dos personagens retratados no quadro.

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