terça-feira, 3 de junho de 2008

Uma janela para imagens e reflexões sobre o tempo


Abaixo, a heliografia de Joseph Niépce de 1826; e acima, uma das imagens de Marte, de 1965. Com um intervalo de quase 140 anos entre as duas imagens, a paisagem da janela, seja ela de que mundo for ainda tem sido um dos maiores interesses da humanidade em todos os tempos.



Este blog pretende ser um espaço para tratar de lembranças e de esquecimentos. E justamente por se tratar de fragmentos do tempo e da memória é que as primeiras imagens aqui publicadas são marcos na história da fotografia.
Uma é considerada a primeira ‘fotografia permanente do mundo’, conseguida após inúmeras e exaustivas tentativas do francês Joseph Niépce para registrar a paisagem da janela do seu quarto nos arredores de Paris, no verão de 1826. O processo, batizado por Nièpce como heliografia (ou grafia da luz solar), dependia de longos tempos de exposição em placas de estanho recobertos com verniz de asfalto, conhecido como betume da Judéia, já utilizando as câmeras escuras fabricadas pelos famosos irmãos Chevalier, óticos franceses. Resultado de oito horas ininterruptas de exposição, este único ‘clique’ registra os claros e escuros de uma combinação intrigante entre luz e tempo. Nenhuma imagem impressa antes tinha sido tão técnica, e ao mesmo tempo tão abstrata como esta. Jamais o mundo recebeu tal representação assim, fruto da combinação entre a engenhosidade humana e seus meios mecânicos, com a mágica da grafia da luz sem a dependência direta das aptidões de um desenhista para representá-la. O deslocamento das sombras dos telhados em frente à janela de Nièpce inaugura um novo olhar sobre a relação do homem com o tempo, e apesar da precariedade dessa imagem frente aos registros posteriores de Daguèrre, - este sim considerado o pai do processo que conhecemos hoje como fotografia,- esta vista da janela do sótão em Charlons-sur-Saône de Nièpce representa o início de um debate sobre o que de objetividade e ficção existe na linguagem fotográfica.
A segunda foto é também coincidentemente uma espécie de vista de janela, e apesar de também uma imagem monocromática precária, foi, ao seu tempo, um divisor de águas, ou melhor, de luzes no que se refere às técnicas fotográficas. Trata-se de uma das 22 imagens da superfície de Marte feitas por uma câmera de televisão a bordo da sonda Norte americana Mariner 4, em 1965. Consideradas como as primeiras fotografias sem o uso de filme, apesar de não serem produzidas por meios puramente digitais são instantâneos realizados remotamente (com transmissão interplanetária) sem a necessidade sequer de um astronauta para acionar o disparador da máquina. O grande avanço possibilitava um ganho na rapidez do processamento da imagem, uma vez que dispensava a necessidade de ter que retornar do espaço para revelar o filme e ampliar as cópias. Apesar de pequenas para os padrões atuais, a transmissão das fotos com pouco mais de 0,04 megapixels levou aproximadamente quatro dias para chegar à Terra. Das oito horas de Nièpce para os quatro dias de transmissão das vistas de Marte da Mariner já se vão mais de 100 anos. Mudaram os meios, os olhos, os temas, mas o desejo pela perpetuação de como vemos o mundo a nossa volta permanece.
Sejam quais forem os autores, os períodos e temas, a fotografia é o foco principal deste espaço que, espero, receba contribuições dos amigos e interessados nos assuntos postados aqui. Vamos em frente!